O trabalho compartilhado entre os docentes pode ser estratégia fundamental para potencializar o aprendizado dos estudantes
Ao abordar as características do professor universitário, o pesquisador espanhol Miguel Zabalza enfatiza que a tendência do docente é de trabalhar sozinho, sob a proteção da iniciativa pessoal e da liberdade científica. Ele salienta que, de modo geral, é a própria universidade que gera sua estrutura em torno do “individual”: as disciplinas, as pesquisas empreendidas, as publicações e até mesmo a formação docente. Enfatiza-se a liberdade acadêmica e, a partir deste princípio, supõe-se que cada professor adotará as posições que melhor se adaptem ao cenário e as suas necessidades.
Esse isolamento pode ter, à primeira vista, suas vantagens. Muitos professores se sentem protegidos do que consideram uma “avaliação” ou “julgamento” de seus pares. O problema é que isto também os impede de ter um feedback para suas ideias e de usufruir de um acompanhamento informal, que pode ser realizado com base na amizade e confiança mútua.
Já existem ações efetivas nas universidades que procuram abrir a sala de aula e expandir os espaços de compartilhamento de experiências (Ver artigo: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/10655/6181). A PUCPR, por exemplo, realiza anualmente um Simpósio para promover a troca de ideias e experiências entre os professores sobre suas práticas, envolvendo métodos, conceitos e técnicas que eles aplicam em sala de aula com a intenção de melhorar a sua forma de ensinar. A iniciativa começou em 2014, na Escola Politécnica, e, diante dos resultados, se estendeu para toda a universidade. Na oportunidade, um grupo de doze docentes, voluntariamente, apresentou suas práticas inovadoras, descrevendo o que, como e quais os resultados obtidos.
Nós temos que compartilhar mais
Para a professora Elisangela Ferretti Manffra, uma das organizadoras do evento precursor e atualmente coordenadora do Centro de Ensino e Aprendizagem da universidade, o principal resultado do Simpósio foi promover a interação entre os professores. Por meio da experiência dos colegas, eles puderam perceber que “é possível a aplicação de algumas metodologias que nós identificávamos uma grande resistência”, comenta. “Os próprios colegas mostraram formas de aplicar os conceitos provenientes de iniciativas de formação continuada. Eles encontraram e partilharam os caminhos para aplicar estas metodologias em nossa realidade”.
Intensificar o trabalho compartilhado entre os professores, visando consolidar objetivos coletivos, parece ser uma solução simples para posturas mais céticas e um apoio fundamental para inovar. “Esta aprendizagem com o colega parece ser uma forma muito interessante de promover a formação de professores. Ficamos mais receptivos”, complementa Elisangela Ferretti Manffra. A partir destas parcerias é possível ter mais fôlego e persistência para enfrentar desafios. A proximidade e as discussões também tornam viáveis a reavaliação dos conteúdos e a integração das disciplinas, gerando a interdisciplinaridade. Possibilitam ainda a proposição de projetos especiais para atender demandas comuns dos estudantes. O que pode parecer um problema isolado pode ser uma situação a ser solucionada de forma conjunta.
A importância da socialização
Embora sejam frequentes as reuniões, congressos e encontros, os professores universitários parecem carentes de espaços que possam efetivamente falar sobre suas dificuldades, dúvidas e o cotidiano de sala de aula. O tempo também é um adversário às atitudes cooperativas. Por isso, os eventos formais com certificação e visando à valorização profissional podem ser um primeiro passo. “Nós precisamos criar espaços em que os professores que têm coragem de mudar suas práticas possam apresentar e debater seu trabalho. Acredito que, se alimentarmos esta tendência, isto pode virar uma corrente em que uns ensinam os outros”, conclui Elisangela.
SAIBA MAIS
MEYER, P.; VOSGERAU, D. S. R.; BORGES, C. Colaboração entre pares em programas de desenvolvimento profissional docente. Práxis Educativa, [S. l.], v. 13, n. 2, p. 312–329, 2017. DOI: 10.5212/PraxEduc.v.13i2.0004. Disponível em: https://revistas.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/10655. Acesso em: 25 set. 2023.
Na matéria da entrevista com a prof. Elisangela é elencada a importância da colaboração entre os docentes, visto que isso faz com que eles ganhem feedback, formação informal, apoio mútuo e estabeleçam uma relação de confiança. No artigo referenciado, as autoras buscam examinar as iniciativas de desenvolvimento profissional docente a partir do incentivo à colaboração entre pares em quatro universidades distintas.
BANDEIRA, H. M. M.; MARQUES, E. de S. A. Planejamento colaborativo: Necessidade e possibilidade no trabalho docente no Ensino Superior. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 18, n. 00, p. e023028, 2023. DOI: 10.21723/riaee.v18i00.16173. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/16173. Acesso em: 27 set. 2023. Acesso em: 25 set. 2023.
Assim como Elisangela discorre sobre a falta de uma colaboração maior entre os professores em sua entrevista para o portal, as autoras desse estudo abordam como a ação docente se organiza pensando no entendimento da necessidade de planejamento na educação superior, permeando a precisão de uma quebra na tendência do isolamento na profissão da docência no contexto de pensar e pôr em prática o planejamento. A visão é de que uma cultura da prática colaborativa pode ser de grande suporte para a esquematização de um currículo significativo.
DESTA, S. Z.; et al. The status of teachers’ collaboration in ethiopian public universities found in the Amhara region. Heliyon, [S.I], v. 4, n. 1, p. e12848-e12848, janeiro, 2023. Disponível em: The status of teachers’ collaboration in Ethiopian public universities found in the Amhara region: Heliyon (cell.com). Acesso em: 08 out. 2023.
A professora Elisangela destaca que a colaboração dos professores pode ser uma boa estratégia para aumentar a aprendizagem dos alunos, tendo em vista que podem fazer bom proveito da interdisciplinaridade e dos conhecimentos que o corpo docente pode partilhar. Em consonância a esse ponto de vista, os autores deste artigo realizaram, em universidades públicas na Etiópia, uma pesquisa sobre a situação da colaboração entre os professores e como ela (ou sua falta) afeta o ensino.
RUIZ, C. M. Nuevos retos para una universidad en proceso de cambio: ¿pueden ser los profesores (principiantes) los protagonistas? Profesorado, Granada, v. 13, n. 1, p. 61-77, abril, 2009. Disponível em: Nuevos retos para una Universidad en proceso de cambio: ¿Pueden ser los profesores (principiantes) los protagonistas? – Dialnet (unirioja.es). Acesso em: 25 set. 2023.
Em sintonia com a matéria trazida pelo portal, que diz respeito ao panorama da profissão docente como passível de solidão, a autora traz neste estudo uma investigação acerca do papel do professor, pensando nas mudanças que o ensino superior vem sofrendo e na necessidade de estratégias que facilitem o trabalho dos professores, elencando a necessidade de uma nova cultura docente que propicie a colaboração entre eles, da perspectiva da universidade espanhola.