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Inéditos-viáveis: professora adota prática inspiradora para abordar conceitos de Paulo Freire na universidade 

Inéditos-viáveis: professora adota prática inspiradora para abordar conceitos de Paulo Freire na universidade 

A disciplina “Princípios éticos freireanos”, ministrada pela professora doutora Camila Lima Coimbra, tem como objetivo fazer com que os/as educandos/as vivenciem na prática de sala de aula os conceitos teóricos estudados durante o semestre

A Profa. Dra. Camila Lima Coimbra é docente titular na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia, coordenadora do Círculo de Estudos e Pesquisas Freireanos. Além disso, é autora de vários artigos e do livro A pesquisa e a prática pedagógica no curso de pedagogia: uma possibilidade de articulação entre a teoria e a prática

A disciplina de Princípios éticos freireanos, da Universidade Federal de Uberlândia, surgiu de uma ideia do Núcleo de Didática, que planejou a criação de um rol de matérias optativas para os/as estudantes de licenciatura. Voltada para a formação de professores/as e aberta a quem desejar, essa é uma possibilidade de conhecer melhor os conceitos de Paulo Freire e vivenciá-los em sala de aula. 

A prática é repleta de rituais, que buscam romper com a estrutura clássica de uma sala de aula e promover a afetividade. Entre eles está a presença de um bonsai, que “visita” a casa de todos os/as estudantes. Cada dia um deles/as o leva para casa e ao final do semestre o bonsai é plantado em um local específico na universidade em um evento especial, geralmente com convidados. Essa ideia veio de uma fala de Paulo Freire em uma entrevista a Moacir Gadotti em que ele comenta a importância da esperança e da busca por projetos e inéditos-viáveis, quando finaliza: “No momento em que você definitivamente perde a esperança, você cai no imobilismo. E aí você é tão jabuticabeira quanto a jabuticabeira” (FREIRE, 1993). Durante algumas turmas, o nome foi representado pela fruta do bonsai. No início de todas as aulas, em círculo, os/as educandos/as compartilham com a turma de que forma cuidaram da planta. 

A disciplina é articulada em quatro partes intituladas, respectivamente: identidades, conceitos, refazendo e síntese. 

IDENTIDADES 

A primeira etapa, chamada de identidades, é um momento de conhecer Paulo Freire, sua história e principais obras, mas também uma oportunidade para que os/as estudantes conheçam a si mesmos. A valorização de suas próprias histórias de vida é fundamental para a compreensão de quem eles/as são hoje. A principal atividade dessa parte é a construção de duas linhas do tempo, uma abordando as obras de Freire e a outra de cada educando/a, que reflete a forma que eles/as se veem como sujeitos, para pensar no conceito de “sujeito freireano”, sujeito fazedor de histórias.  

Para isso, cada turma tem um nome que a representa, bem como um caderno de registros denominado: Ensinar é… aprendi o que?, baseado nas reflexões sobre os valores, as atitudes e as crenças que nos constituem como sujeitos fazedores de história. Esses registros trazem princípios de uma prática educativa progressista, aos quais serão levados para a sala de aula quando forem lecionar, e refletem sobre as aprendizagens ao longo da vida, em um processo permanente.  

CONCEITOS 

Na etapa de Conceitos, os educandos escolhem uma obra de Paulo Freire para ler de acordo com o que desejam aprender. Cada turma mostra seus interesses específicos e, assim, são selecionadas as categorias freireanas para investigação e debate em aula. Essa é a parte em que são trabalhados os conceitos teóricos de fato, mas eles são escolhidos conforme o que os/as educandos/as consideram mais relevante para seu desenvolvimento. O reconhecimento do conhecimento prévio dos/as educandos/as e a valorização de seus gostos e desejos, conforme o contexto ao qual estão inseridos/as, é algo constantemente identificado na prática da docente. 

Por essa não ser uma disciplina planejada de forma rígida previamente, a professora Camila Coimbra a considera relacional, uma vez que ela acontece em conformidade com as escolhas feitas coletivamente ao longo do semestre. Em todas as aulas, para o debate em sala, é feita uma preparação das carteiras em círculo e há um chá no meio do círculo para tomarem durante as aulas quando desejarem. O mais importante desse ritual é a dimensão temporal que é incorporada como o tempo do conhecimento, por isso sem fragmentação. 

São realizadas, então, quatro aulas seguidas com esse alimento disponível a qualquer momento. A professora relaciona essa ação ao conceito de tempo de Paulo Freire, que traz uma aprendizagem comprometida pela qual cada um se responsabiliza. Nessa concepção, a aula funciona em círculo, com momentos de reflexão individual e coletiva, que percorrem a centralidade de compreensão da escuta, do diálogo, do comprometimento e do compartilhamento de histórias, identidades e experiências. 

REFAZENDO 

No momento Refazendo (nome inspirado na música de Gilberto Gil, Refazenda), o processo de ensino-aprendizagem a partir das reflexões acerca dos conceitos e das identidades, tudo isso é materializado com base em uma interpretação sobre o livro lido. A orientação é falar sobre como a leitura de Paulo Freire repercutiu em seus pensamentos e de que forma ela provocou reflexão. A docente conta que, nessa etapa, aparecem relatos criativos e diversos, muitas vezes inusitados, com reinvenções, interpretações, análises críticas da leitura de Paulo Freire. 

Um exemplo disso, foi uma educanda que levou pedras para que a turma fizesse artesanato com barbantes coloridos, enquanto isso, ela contou a história dessas pedras e do valor da corrente tecida pela turma. O livro lido por ela foi Pedagogia da Esperança (veja imagens dessa e de outras atividades no site criado para a disciplina). A ideia foi transmitir a importância das redes construídas de forma coletiva no espaço educacional, seus desafios e potencialidades. A criatividade dos/as educandos/as é incentivada pelas reflexões das identidades, dos conceitos estruturantes do pensamento, da leitura e interpretação-reinvenção do livro na disciplina. 

Durante as aulas remotas, considerando o tempo disponível para o compartilhamento, a materialização foi realizada em grupos. Os/as estudantes leram os livros de interesse e as obras foram agrupadas por temáticas que se aproximam ou pela época em que foram produzidas. O trabalho em grupo proporcionou o diálogo entre eles/as sobre suas interpretações.  

SÍNTESE 

A síntese é um trabalho em grupo construído como um resumo das reflexões realizadas ao longo da disciplina. Na primeira turma, por exemplo, foi construído o podcast “Pelejantes”. A partir da seleção de um tema, os roteiros foram escritos e então foram realizadas as gravações na rádio universitária. Na segunda turma, os/as educandos/as fizeram uma trilha sonora baseada nas linhas do tempo montadas, em que colocaram uma lista de música das trajetórias vivenciadas na disciplina. A ideia é que a síntese seja feita em um formato que demonstre o que mais marcou a turma durante o semestre. Ela surge dessas marcas e, por isso, é diferente de turma para turma. 

Mas de que forma as aulas são estruturadas? A professora Camila Coimbra destaca três momentos principais: 

INSPIRAÇÃO 

Momento para trazer uma cena, um vídeo, algo que provoque uma reflexão inicial, a partir da aula anterior.  

PROBLEMATIZAÇÃO 

Realidade para além da sala de aula, de que forma esse tema está presente no cotidiano? Há sempre uma pergunta norteadora de cada aula. 

TRANSPIRAÇÃO 

Momento de aprofundar o estudo, ler, dialogar e investigar.  

De acordo com a professora Camila, especialmente na primeira turma, os/as educandos/as ficaram muito apreensivos/as por não saberem o que esperar da disciplina. A dúvida decorre do fato de que as obras e categorias, assim como o formato da síntese, não são previamente definidos. A disciplina é formulada de acordo com a realidade dos/as educandos/as e conforme as leituras e reflexões realizadas. Não consiste em um seminário ou resumo/resenha, mas na maneira com que a obra fez o/a estudante pensar sobre algo, ou seja, suas impressões, interpretações, análise, crítica e criatividade de leitura.  

Assim, há um sentimento de instabilidade, uma vez que a disciplina não é rigorosamente construída, incluindo os conceitos a serem estudados, que são selecionados de acordo com as pretensões de cada turma. Entretanto, o que pode ser chamado de imprevisibilidade também proporciona boas surpresas, liberdade e criatividade. Acima de tudo, o que se destaca em todo esse processo é a importância do diálogo e do compartilhamento. A partir da reflexão das singularidades, o trabalho em grupo constrói o coletivo e toda a disciplina. 

SAIBA MAIS

Atividade conjunta, promovida pela UFU e pela Unicamp, do Centenário Freireano Circulante – Primavera Freireana e da VI Jornada Político Pedagógica Paulo Freire. Playlist do evento on-line ocorrido entre os dias 25 e 27 de outubro de 2021 disponível no YouTube em: https://tinyurl.com/mtfnt3ap.  

Matéria da Folha de São Paulo do ano de 1997, contendo os principais tópicos tratados numa entrevista concedida por Paulo Freire 16 dias antes de sua morte para um jornalista israelense, intitulada “Freire explica como o saber abre caminhos”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/5/04/cotidiano/33.html.    

Memorial Virtual Paulo Freire, contendo vida e obra, linha do tempo, base de dados bibliográfica, glossário contendo recortes de falas em áudio e/ou vídeo do autor e acervo digital de obras previamente autorizadas. Disponível em: http://www.memorial.paulofreire.org.  

Entrevista “Paulo Freire: ‘Nós podemos reinventar o mundo’”. Disponível em:  https://novaescola.org.br/conteudo/266/paulo-freire-nos-podemos-reinventar-o-mundo 

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Assista à entrevista com

Camila Lima Coimbra

Vídeo dos conceitos

Depoimento do estudante

“Participei da primeira turma de Princípios Éticos Freireanos e foi, sem dúvidas, a melhor decisão que tomei. Nossos encontros eram às quartas, com muita partilha, posso dizer que ali, naquele espaço organizado em roda, me fiz educadora.  

A Camila sempre soube dar espaço para a nossa subjetividade, sem tirar de foco a aprendizagem genuína. Com muita amorosidade ela dava espaço para que nós, futuros educadores, falássemos sobre as obras de Paulo Freire. 

Eu sinto que não ficamos no óbvio, entendemos o que é esperançar, vimos, na prática, os sujeitos serem colocados em evidência e produzimos trabalhos incríveis com todos.”

– Prisciele Melo 

Materiais de apoio

Artigo da Profa. Dra. Camila Lima Coimbra, intitulado “Os inéditos viáveis na formação de professor(es) da educação básica: os saberes e princípios éticos freireanos”. Disponível em: https://www.periodicos.unimontes.br/index.php/ciranda/article/view/5934/5933.    

Artigo da Profa. Dra. Camila Lima Coimbra, intitulado “O inédito viável na formação de professores/as da educação básica: por onde vai uma práxis educativa”. Disponível em: https://periodicos.ufrrj.br/index.php/formov/article/view/211/444/562.   

Site do Círculo de Estudos e Pesquisas Freireanos (CEPF). Disponível em: https://sites.google.com/view/principioseticosfreireanos.   

Portal do Bicentenário – Paulo Freire por CEPF-UFU. Disponível em: https://portaldobicentenario.org.br/timeline/paulo-freire-por-cepf-ufu.    

Podcast elaborado por participantes do Círculo de Estudos e Pesquisas Freireanos (CEPF) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), intitulado “Pelejantes”. Disponível em: https://open.spotify.com/show/7wasLNxVlH9qKiqi7WOkmr?si=821b43ae52ff48c3.  

 

Autoria

Milena Nascimento

Curadoria

Maria Fernanda Schneider

Entrevista

Maria Fernanda Schneider

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