No dia 21 de março de 2024, o III Ciclo de “Conversas com quem gosta de ensinar” contou com a contribuição do Prof. Dr. Agostinho Valente Macane, da Universidade Católica de Moçambique. O docente é graduado em Economia e Gestão pela UCM, possui mestrado em Administração com ênfase em Políticas Públicas pela mesma instituição e está em andamento com seu doutorado em Economia na UCM, em parceria com a Porto Business School. Agostinho tem experiência na docência no ensino superior, gestão administrativa (finanças, contabilidade, patrimônio e recursos humanos), elaboração e monitoramento de projetos, além de consultoria econômica e de gestão. Ele foi coordenador do Departamento de Ensino e ponto focal de qualidade de ensino e gestão educacional. Atualmente, atua como diretor da Universidade Católica de Moçambique – Extensão de Xai Xai (Gaza).
O professor já trabalha no ensino superior há 14 anos e, por conta disso, tem lidado com diversos estudantes de várias províncias (equivalentes a estados no Brasil). Em muitas turmas, ele se deparou com alunos que afirmaram não serem bons em matemática. Por conta disso, a conversa teve como tema a reconstrução do modelo de sala de aula no ensino superior, relacionado ao ensino de economia. O professor enfatiza que as ciências exatas trazem consigo um certo tabu, um mito de que são mais complexas e difíceis. Ao longo dos cursos dessa área de conhecimento, os alunos tendem a apresentar dificuldades de aprendizagem, deixando algumas atividades de lado e, em certos casos, até considerando desistir do curso. Diante dessas dificuldades, o docente desenvolveu práticas alternativas para enfrentar os desafios impostos pelo ensino das ciências exatas.
Colaboração entre pares
O Prof. Dr. Agostinho acredita que não é possível “abandonar o barco” quando os alunos enfrentam dificuldades com matemática ou quando apresentam lacunas no conhecimento básico, provenientes do ensino fundamental e secundário. Em vez de culpar os professores do ensino básico, defende que os docentes do ensino superior desenvolvam estratégias que permitam a esses estudantes o alcance de um mínimo de proficiência. É essencial que os professores que ministram disciplinas práticas encontrem maneiras de explorar o potencial dos alunos e os motivem, mostrando que as disciplinas práticas não são necessariamente um “bicho de sete cabeças”, como muitos podem pensar.
Em sua fala, o professor cita que tenta motivar os alunos lembrando-os de que escolheram ser economistas. No entanto, é difícil ser economista sem dominar a matemática. Portanto, para não desistirem de seu sonho de se tornarem economistas, é preciso que se dediquem e lutem, pois esse esforço é fundamental para que, no futuro, possam colher os frutos de seus esforços.
Assim, como educador, busca demonstrar aos seus alunos que se preocupa com sua situação. Por conta disso, o docente reserva um tempo em horários extracurriculares, evitando apenas uma abordagem superficial. Além disso, busca fortalecer a parte prática das disciplinas, trabalhando com diversas atividades, promovendo a elaboração de fichas e incentivando o trabalho em grupo, o que cria um ambiente de colaboração e união entre os estudantes.
Ferramentas digitais no ensino de economia
Em sua fala, comentou que os professores de matemática são frequentemente vistos como os “chatos”, e, para conseguir chamar a atenção dos alunos e desmistificar a dinâmica tradicional da sala de aula, tem buscado implementar abordagens inovadoras. O professor acredita que as redes sociais também desempenham um papel importante nisso, devido ao fato de praticamente todos os estudantes possuírem aparelho celular e acesso à internet. Ao falar dos desafios, citou o modelo tradicional de sala de aula, onde os alunos se sentam em fileiras, o que o docente classifica como “modelo do Machibongo”. Nesse modelo, percebeu que não consegue captar a atenção de todos, pois quando um aluno está atrás de outro, é mais fácil que o de trás se distraia com o celular.
Diante disso, decidiu implementar o modelo de sala em U, que permite que todos se olhem e interajam. Assim, é possível ver quem está atento e quem não está, e isso tem gerado resultados muito positivos. Ao mudar essa dinâmica, os estudantes, de certa forma, esquecem que estão em uma sala de aula, aliviando o peso e o medo que muitas vezes sentem ao serem avaliados pelo professor. Além disso, o docente oferece uma espécie de “prêmio” durante o intervalo entre as duas aulas: nesse momento, é permitido que usem seus celulares para matar esse vício e relaxar um pouco.
Autonomia do estudante
O docente deixa evidente que, durante o momento do prêmio, os alunos podem pegar seus celulares para acessar o Instagram e o WhatsApp, mas, em contrapartida, também precisam pesquisar sobre a temática discutida em aula. Após esse momento de intervalo, a turma escolhe aleatoriamente alguns colegas para compartilhar o que encontraram na internet sobre o assunto em pauta. Dessa forma, o prêmio não se resume apenas a checar mensagens; é uma oportunidade de aprofundar o aprendizado. Por exemplo, se o tema em discussão é a teoria do consumidor, um aluno pode ser convidado a comentar o que descobriu sobre essa teoria, tornando a aula mais interativa e engajadora.
Com isso, é possível mudar a dinâmica desse estudante e tentar mostrar a ele que já está em outras águas: está no ensino superior. Assim, os estudantes ganham autonomia. Mas ainda é preciso acompanhar, “porque a criança não deixa de mamar e desabituar de dia para noite, leva o seu tempo para a criança desabituar”. Então, é preciso fazer um acompanhamento, buscando desenvolver a confiança desses alunos.
Pensamento crítico
O professor também comentou que utiliza as redes sociais para compartilhar conteúdos relevantes com os alunos. Ele percebe que, ao enviar atividades pelo WhatsApp, os alunos tendem a prestar atenção, sabendo que eles visualizarão as mensagens. O docente compartilha notícias relacionadas à economia, vídeos explicativos, eventos pertinentes e conceitos discutidos em sala de aula.
Essa estratégia não apenas mantém os alunos informados, mas também desperta seu interesse. Quando um estudante nota que um assunto debatido em aula se transforma em notícia, ele faz a conexão entre o que aprendeu e a realidade. Isso fortalece o entendimento crítico, pois o aluno começa a reconhecer a relevância dos conteúdos estudados em seu cotidiano. Além disso, as redes sociais são usadas para promover debates em grupos, incentivando os alunos a refletir e argumentar sobre os temas abordados.
Mediação do aprendizado
Agostinho também refletiu sobre o papel dos educadores no modelo de sala de aula impulsionado pela tecnologia e como existe a necessidade de adaptação às mudanças para promover uma aprendizagem mais eficaz e significativa. Ele destacou que vivemos em uma era em que a informação circula em tempo real, não apenas no campo da educação, mas em quase todas as áreas. Com apenas um clique, alguém pode estar no Brasil, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar do mundo.
Nesse contexto, o professor destaca que, apesar da abundância de informações, muitas vezes essas informações são consumidas de forma limitada. Ele questiona: qual é, então, o papel do professor hoje? Para ele, a função do educador é ser um mediador, alguém que auxilia os alunos em seu processo de aprendizagem. O professor deve atuar como tutor, guiando os estudantes e ajudando-os a avançar.
SAIBA MAIS
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