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O ensino da prática, para além da agronomia

O ensino da prática, para além da agronomia

No dia 4 de abril de 2024, o III Ciclo de “Conversas com quem gosta de ensinar” contou com a presença do professor Mauricio Cesar Iung. O docente possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal do Paraná e mestrado em Ciências do Solo pela mesma Universidade. Foi responsável técnico da empresa AGERTECH Serviços Agronômicos Ltda, atuando em projetos agropecuários envolvendo o manejo e conservação do solo e legalização documental de áreas agrícolas. Atuou como Engenheiro Agrônomo em pesquisas de melhoramento da cultura da cana-de-açúcar nos Centros de Estações Experimentais de Paranavaí e Bandeirante da Universidade Federal do Paraná. Atuou na gestão da Fazenda Experimental Gralha Azul da PUCPR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná no período de 1995 a 2017, sendo responsável técnico por unidades de produção animal e vegetal e participando da coordenação administrativa e financeira, gestão de recursos humanos, e planejamento de atividades com vistas às atividades acadêmicas ali realizadas. Desde 2004, atua como professor do curso de Agronomia da PUCPR, com ênfase em máquinas e mecanização agrícola, manejo de grandes culturas, e defesa fitossanitária.  

Em relação ao conhecimento acadêmico, o professor Mauricio adota uma visão holística ao descrever a formação em Agronomia como uma “colcha de retalhos”: cada disciplina funciona como um pedaço do conhecimento essencial costurado ao longo do curso que resulta na construção do profissional. Seguindo essa lógica, ele ressalta que “os estudantes não saem engenheiros agrônomos somente no dia da formatura”, mas sim ao longo do tempo da graduação, quando estão “se formando” e “costurando” seu conhecimento. Isso significa que durante esse processo haverá momentos em que o aprendizado precisa ser recalibrado, assim como um retalho não se encaixará perfeitamente e precisará ser repensado.  

Dessa forma, o professor deixa de enxergar o conhecimento como algo a ser simplesmente transferido e passa a valorizá-lo como uma construção conjunta com os alunos. Sua postura pedagógica não é “estou lhe entregando uma educação”, mas sim “você pode ser, no mínimo, tão bom agrônomo quanto eu, e quem sabe até melhor”. Essa abordagem destaca o impacto da colaboração entre docentes na formação de alunos ainda mais capacitados do que seria alcançado de forma isolada. Além disso, o professor acredita intensamente que o aprendizado é mais profundo quando os estudantes têm a oportunidade de transmitir seu conhecimento prático e teórico. Instâncias em que se faz a mesma coisa, por exemplo, podem ser vistas como ambiente de troca entre aqueles com experiência prática no campo e aqueles que não têm, fortalecendo a partilha de conhecimentos. Portanto, Mauricio encontra estudantes os talentosos e os ajuda a desenvolver, porque são os talentosos que se tornarão melhores profissionais. Afinal, como disse antes: “Seja pelo menos tão bom quanto eu”. 

Além disso, ele também valoriza o aprendizado entre pares, incentivando a troca de conhecimentos práticos e teóricos, como, por exemplo, momentos em que aqueles que têm experiência compartilham seus conhecimentos agrícolas, o que enriquece o aprendizado de todos, além de fortalecer o respeito entre os colegas.  

Mauricio também discute como as tecnologias modernas, como smartphones e aplicativos baseados em inteligência artificial, estão transformando a forma de estudar e aprender no campo. Ele compara o uso tradicional de uma lupa de bolso, que ampliava objetos, com as soluções atuais, como aplicativos de reconhecimento de imagens que permitem identificar plantas daninhas ou outros problemas agrícolas ao tirar uma foto e enviá-la para a nuvem. A inteligência artificial, nesses casos, é capaz de analisar as imagens e fornecer respostas precisas, o que torna o processo de aprendizado mais dinâmico e acessível. 

Apesar dessas facilidades, o professor enfatiza que, no contexto acadêmico, é essencial que os alunos também desenvolvam a habilidade de identificar e memorizar informações sem depender exclusivamente da tecnologia. Ele exemplifica isso com suas provas orais, nas quais os alunos devem identificar plantas daninhas sem recorrer a ferramentas digitais. Isso demonstra a necessidade de um equilíbrio entre a tecnologia e o conhecimento prático. 

Em suas aulas teóricas, o professor observa que, embora os alunos possuam smartphones poderosos, muitas vezes não aproveitam as ferramentas de inteligência artificial ao máximo. Ele destaca que, se souberem usar bem os recursos disponíveis, eles podem checar informações em tempo real e validar o que aprendem. Assim, a inteligência artificial pode ser uma aliada poderosa para o aprendizado, mas é necessário saber perguntar e interpretar as respostas. O educador tenta incentivar os alunos a utilizarem essas tecnologias de forma crítica, pois a inteligência artificial é uma ferramenta poderosa, mas só terá eficácia se for usada com discernimento e para aprimorar o conhecimento, não para substituir o aprendizado real. 

Outro ponto marcante na entrevista foi quando o professor Mauricio declarou que sempre desafia seus alunos com perguntas provocativas, como: “A flor é amarela, isso é bom ou ruim? Por que é bom e por que é ruim?” A intenção não é simplesmente encontrar uma resposta correta, mas estimular a reflexão crítica. Ele aplica esse mesmo método tanto nas aulas teóricas quanto nas práticas, incluindo estudos de caso em tempo real, onde o desfecho é incerto. O objetivo disso é desenvolver nos alunos a capacidade de analisar situações complexas, considerando diferentes perspectivas. 

Durante os ensaios práticos no campo, por exemplo, o professor pode aplicar um herbicida com a expectativa de controlar plantas daninhas, mas o resultado nem sempre é o esperado. Isso leva à pergunta: “Por que não funcionou como o previsto?” O professor incentiva os alunos a observarem atentamente e a questionarem o que está acontecendo, quais informações eles conseguem perceber, mas o professor talvez não. Ao trabalhar em equipe, os estudantes compartilham conhecimentos e trocam ideias, o que os ajuda a construir respostas em conjunto. 

Esse método é essencial para a formação de um profissional que, além de ter conhecimentos técnicos, desenvolve uma visão holística. O educador reforça a importância de revigorar constantemente os conceitos, como no caso da calagem e da adubação, para que os alunos não apenas memorizem, mas também apliquem esses conceitos na prática. Essa abordagem constante de revisar e relacionar os conteúdos garante que o aluno compreenda a importância de integrar o conhecimento adquirido em uma perspectiva mais ampla. 

Além disso, o professor acredita que, embora os alunos possam não ter um domínio profundo de todos os temas, é essencial que eles tenham uma visão geral e integrada das disciplinas. Isso contribui para a formação de um profissional mais completo, que é capaz de aplicar seus conhecimentos de maneira crítica e estratégica, sabendo sempre o porquê de suas ações no campo. 

O docente também ressaltou que, por mais que o aluno tenha estudado a teoria – conhecendo o passo a passo do desenvolvimento da planta, as principais pragas e doenças e os períodos em que elas geralmente aparecem –, ao colocar a lavoura no campo, a realidade pode ser bem diferente. O campo é imprevisível. Pode surgir um problema inesperado, algo que não estava nos livros ou nas expectativas. E é nesse momento que o estudante precisa entender que nem tudo o que é novo deve ser descartado. Se algo incomum aparece, é essencial investigar, pois pode ser um sinal de que há algo mais importante acontecendo, que pode até comprometer a lavoura inteira. 

O conhecimento prático adquirido ao vivenciar o campo – de estar lá, molhar os pés, pisar na terra –, é algo que o docente enfatiza com seus alunos. Embora existam diversas áreas dentro da agronomia em que não é necessário trabalhar diretamente no campo (como marketing, commodities ou laboratório), quem deseja realmente contribuir para a produção agrícola ou prestar assistência técnica aos produtores precisa, em algum momento, estar no campo. Não há como fugir disso. 

A teoria é importante, mas sem a prática, o conhecimento não se consolida, e muitos alunos só percebem isso quando já estão mais avançados na formação, chegando ao estágio final do curso e se perguntando: “Como é que faço essa conta mesmo?” Esse momento de questionamento ocorre frequentemente, e é exatamente por isso que o professor insiste em revisar e reforçar os conteúdos práticos e teóricos ao longo de todo o curso. A prática constante, tanto no campo quanto na sala de aula, é a chave para a formação de um agrônomo bem-sucedido e capacitado. 

Durante uma aula, uma aluna se surpreendeu ao obter uma resposta do chatGPT que indicava que a velocidade de um trator poderia ser superior a 100 km/h, algo que ela achou completamente absurdo. Ela expressou sua dúvida, dizendo que isso não poderia ser verdade. O professor, então, usou a situação para destacar a importância do letramento digital: “É, até eu também postei rapidamente e achei estranho. Isso é um exemplo claro de que, ao usar tecnologias como o GPT, você precisa questionar e validar os resultados que recebe.” 

Mauricio enfatizou que, embora o chatGPT seja uma ferramenta poderosa, ele não substitui o pensamento crítico. O chatGPT oferece respostas com base em padrões de dados, mas não tem a capacidade de avaliar a consistência das informações da mesma maneira que um ser humano. Após isso, a estudante, ao perceber o erro, demonstrou a necessidade de um uso consciente e responsável das tecnologias. 

Portanto, o letramento digital não é apenas saber usar ferramentas tecnológicas, mas também desenvolver a capacidade de questionar e interpretar os resultados gerados por essas ferramentas. Além disso, o professor destaca que, ao utilizar o chatGPT, por exemplo, é essencial que o aluno saiba que nem todas as respostas são corretas ou aplicáveis, e que é necessário validá-las por meio do conhecimento prático e do contexto real da disciplina. O uso crítico da tecnologia, portanto, é fundamental para garantir que o aprendizado seja realmente eficaz e preciso. 

SAIBA MAIS

MACHADO, J. dos S. et al. A inovação tecnológica e os desafios representados pela Inteligência Artificial. Revista Thema, Pelotas, v. 22, n. 1, p. 151–168, 2023. DOI: 10.15536/thema. V22.2023.151-168.2991. Disponível em: https://periodicos.ifsul.edu.br/index.php/thema/article/view/2991. Acesso em: 21 out. 2024. 

 

COSTA JÚNIOR, J. F. et al. A inteligência artificial como ferramenta de apoio no ensino superior. Rebena – Revista Brasileira de Ensino e Aprendizagem, v. 6, p. 246–269, 2023. Disponível em: https://rebena.emnuvens.com.br/revista/article/view/111. Acesso em: 21 out. 2024. 

 

CASALINHO, Hélvio Debli; CUNHA, Maria Isabel da. Práticas interdisciplinares no ensino de Agronomia: a metodologia de projetos em ação. Cadernos de Educação, n. 54, 2016. Disponível em: https://revistas.ufpel.edu.br/index.php/educacao/article/view/4037. Acesso em: 20 out. 2024. 

 

LEMOS, Daniel de Souza et al. Práxis agroecológica: minicursos como ferramenta para aliar a teoria e prática na construção de conhecimentos. Cadernos de Agroecologia, v. 10, n. 3, 2015. Disponível em: https://revista.aba-agroecologia.org.br/cad/article/view/20164. Acesso em: 20 out. 2024. 

 

MARQUES, Laila Garcia; NEUMANN, Pedro Selvino; ZARNOTT, Alisson Vicente. Trabalho de campo na formação holística e crítica de estudantes de Agronomia: a experiência da disciplina de Desenvolvimento Rural – UFSM. Cadernos de Agroecologia, v. 10, n. 3, 2015. Disponível em: https://revista.aba-agroecologia.org.br/cad/article/view/18400. Acesso em: 20 out. 2024. 

 

MORAES VALÉRIO, E.; SANTOS FILHO, J. M. Letramento em inteligência artificial: uma reflexão a partir do guia da UNESCO sobre competências em IA para professores. Revista Tópicos, v. 2, n. 13, 2024. DOI: 10.5281/zenodo.13846728. 

 

REZENDE, G. U. de M. et al. Letramento digital: capacitando alunos para o mundo tecnológico. Revista Políticas Públicas & Cidades, v. 13, n. 1, p. e719, 2024. DOI: 10.23900/2359-1552v13n1-5-2024. Disponível em: https://doi.org/10.23900/2359-1552v13n1-5-2024. Acesso em: 20 out. 2024. 

Assista à entrevista com

Prof. Ms. Mauricio Cesar Iung

Vídeo dos conceitos

Autoria

Ana Gabryele Braga e Mauricio Cesar Iung (revisado por Mariana Paes)

Curadoria

Paola Fernanda Copanski

Entrevista

Dra. Mireile Costa

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