O Portal Observa entrevistou a Profa. Lilian Cristina Bernardo Gomes, pós-doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especialista e graduada em História do Brasil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e pelo Centro Universitário de Brasília, respectivamente. Além de toda essa formação, a professora está envolvida em projetos e trabalhos de temática decolonial e quilombola e leciona sobre história nos cursos de Teologia e Filosofia do Instituto Santo Tomás de Aquino.
Afetividade, empatia e resgate histórico
A docente enfatiza a importância de uma relação de afeto com o estudante e a compreensão empática dele como ser em construção. Trata-se de uma visão humanista de ensino, cujo desenvolvimento integral do aluno – em um ambiente educacional que promova a autonomia e a participação ativa – é a chave, bem como o respeito à sua singularidade. Valoriza-se não apenas o conteúdo curricular, mas também o desenvolvimento pessoal e social do discente.
Essa abordagem valoriza o diálogo, a relação horizontal entre professor-aluno e a busca pelo significado no processo de aprendizagem. Ocorre a preparação do estudante para o mundo por meio das relações humanas numa experiência que, como explicitado pela entrevistada, além da tendência à racionalidade instrumental e intelectual do conhecimento, permite a criação estético-expressiva por meio de manifestações artísticas como a dança.
É recorrente na fala da professora o valor do resgate histórico na prática docente, colocando a cultura e a ancestralidade brasileira como assuntos essenciais na formação cidadã do estudante. Esses momentos fazem parte da primeira etapa da prática de Lilian em sala de aula: um exercício de imaginação do Brasil.
Quem é Darcy Ribeiro e qual é sua vertente de igualdade?
Darcy Ribeiro (1922-1997) foi um renomado antropólogo, escritor e educador que desempenhou um papel significativo na formulação de políticas públicas e na promoção da educação, da cultura indígena e da identidade latino-americana no Brasil. Ocupou cargos importantes como o de ministro da Educação e da Casa Civil no governo João Goulart. Na literatura, foi autor de obras influentes, a exemplo Os Índios e a Civilização (1970) e o livro que o fez fugir de sua internação na UTI devido ao câncer para terminar de escrever, O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil (1995).
Durante a ditadura militar no Brasil, Darcy Ribeiro teve que se exilar em outros países por 20 anos. Em sua atuação, lutava pelo respeito à diversidade e pela valorização e harmonia dos povos originários e das culturas que, somadas, formam a vasta sociedade brasileira. A reforma agrária e o acesso à educação básica em tempo integral também eram suas lutas.
Envolvido em várias causas sociais e educacionais e ativista pela devida atenção das autoridades e instituições a pessoas pobres e marginalizadas, é que Darcy Ribeiro ficaria conhecido como um defensor da igualdade. Como explicita Carlos Roberto Jamil Cury: “Para ele [Darcy Ribeiro], indígenas, escravos e caboclos foram as principais vítimas desse processo de marginalização. Então, uma das formas de resolver esse problema é uma escola pública cidadã, que busca desconstruir paradigmas preconceituosos e discriminatórios e construir uma nova cultura de igualdade e de reconhecimento da diversidade.”
A (des)construção em sala de aula
Ainda sobre a prática docente desenvolvida pela entrevistada, a professora Lilian comenta que promove com os estudantes o resgate de experiências e conhecimentos prévios. Esse é um momento muito importante na atuação de todo professor para utilizar como ponto de partida para os demais conteúdos a serem trabalhados.
Lilian menciona que, após o exercício de imaginação e resgate, é necessário que a segunda etapa seja de expor ao aluno a realidade brasileira como ela é: racista, machista, preconceituosa e cheia de defeitos e invalidações, pois é reconhecendo os padrões equivocados e o mundo ao seu redor que o estudante poderá refletir.
Isso permite repensar coisas que estão naturalizadas e enraizadas na concepção dos estudantes, desconstruindo para construir uma realidade de maneira mais assertiva. A professora afirma que não pensar no Brasil como multifacetado e culturalmente próspero é projeto político colonizador, assim como acontece ao se pensar no continente africano como pobre e sem diversidade cultural.
A arte por meio de sala de aula invertida em que os estudantes se tornam os protagonistas do aprendizado, o respeito ao seu tempo singular de aprendizagem e deixar de lado a rigorosidade acadêmico-científica são pontos relevantes para se trabalhar com o objetivo de expor a qualidade artística que a cultura tem a oferecer.
Descobrimento pessoal, valorização e negritude: uma pedagogia da libertação
Por meio de um caderno etnográfico decolonial, cada estudante escreve tudo o que sentiu durante as aulas, como reflexões sobre aquilo que o impactou na disciplina. Em seguida, um dos desafios é que escolham um tema trabalhado em sala ou sugerido pela docente. Os grupos formados na disciplina precisam pesquisar por artigos científicos sobre a temática selecionada e apresentá-la em peça teatral.
Por meio de conteúdos apreendidos anteriormente, compostos por dados e referências bibliográficas, a professora propõe as apresentações e, como mediadora, conduz os debates posteriores a partir da aprendizagem entre pares (Peer Instruction).
Assim acontece a pedagogia da libertação, em que os estudantes se reconhecem como seres de valor e pertencentes a uma gama de culturas ricas e, no caso de alunos pretos, entendem as nuances envolvidas em sua negritude, a qual, para muitos, se caracteriza como recém-descoberta.
Resultados
Para avaliar a efetividade das discussões e das atividades propostas, a docente propõe como avaliação final produzir um artigo de cerca de cinco páginas sobre um dos temas trabalhados, sem leitura punitiva, e sim uma leitura potencializadora e construtiva.
Com essa construção coletiva promovida entre professor e aluno sobre a pluriculturalidade ancestral originária e afro-brasileira, Lilian rema contra a corrente dos interesses do capitalismo e da necropolítica (que, juntos, favorecem a exterminação de pessoas marginalizadas) ao trazer essa identidade atemporal para os estudantes e fazê-los se enxergar como indivíduos descendentes de muita dor, muita luta, mas também de muito valor.
SAIBA MAIS
PAIM, Anna. Antropologia, política e educação: o legado de Darcy Ribeiro. Colab – Lab. Comunicação Digital PUC Minas, 2022. Disponível em: https://blogfca.pucminas.br/colab/centenario-darcy-ribeiro.
YOUTUBE. 100 anos de Darcy Ribeiro: antropólogo lutou pela causa indígena e pela educação brasileira. Jornalismo TV Cultura, 26 out. 2022. Disponível em: https://youtu.be/KSSBH03dGpA?si=XvAyu-HD_otXqZdt.